Game Design: jogos de luta 2D vs. 3D

Continuando meu post sobre minha vida como jogador competitivo falarei sobre o game design de jogos de luta 2D vs o Game Design de jogos de luta 3D, no que eles são diferentes, no que eles são iguais, e porque ao meu ver o Game Design dos jogos de luta 3D modernos são melhores que o Game Design dos jogos de luta 2D modernos. Já irei avisar (de novo) que estarei expressando aqui diversas opiniões minhas, que podem ser diferentes da sua.

Bem, como muitos sabem, meus jogos favoritos de luta costumam ser os 3D… o que é o oposto de muita gente, que tem muito preconceito com esse gênero de jogos. Uma coisa é você preferir alguma série 2D tipo Street Fighter ou KoF mesmo entendendo muito bem como se joga um Tekken, outra é você nem ao menos testar um jogo 3D e falar mal dos mesmos, e ainda ficar bravo quando alguém disser que são mais técnicos ou competitivos. Isso é uma forma de discriminação ao gosto dos outros e um fanatismo que quase se compara com os de religiosos, e é um problema que não afeta apenas o 3D, mas também Anime e Smash. Por causa disso geralmente acabo não conseguindo expressar muito minhas opiniões quanto a esses assuntos, e passei um bom tempo calado quanto a esse assunto, mas agora resolvi que vou dar o foda-se e falar sobre o que penso de Game Design tanto de jogo 2D quanto de 3D.

Pra começar, 2D e 3D (no ponto de vista do Game Design) não são diferentes apenas porque um tem uma dimensão a mais que o outro. Existem muitos jogos tanto 2D quanto 3D bons que se parecem bastante um com o outro, enquanto existe também muitos jogos 2D e 3D horríveis. O problema que parece que muitos jogadores de hoje em dia ou ignoram conceitos de Game Design pra formar uma opinião, ou vão contra conceitos de Game Design, achando que coisas consideradas boas são ruins e vice-versa. Pra entendermos melhor isso, temos que voltar para ás raízes dos jogos de luta, aos primeiros jogos.

Para começar, o jogo que definiu o que seria um bom jogo de luta 2D foi Street Fighter 2 em 1991, e com isso, foi-se definido que o gênero jogo de luta devia se focar em footsies, espaçamento, mind game e mix-ups um tanto arriscados e situacionais, e diversos jogos que vieram logo depois disso que se tornaram clássicos seguiram esses conceitos (KoF, Samurai Shodown, Last Blade, Garou, etc…). Logo depois, saiu Darkstalkers em 1994, que definiu um outro gênero de jogos 2D que posteriormente ficou conhecido como Anime e que são jogos com um foco mais na pressão, com combos maiores, mais mix-ups mas que ainda sim acabou mantendo o jogo de espaçamento e uma certa ênfase no risco de efetuar mix-ups e setups.

No meio dos 2, em 1993, surgia Virtua Fighter, que trouxe para o mercado os jogos de luta 3D, e que definiu todo esse gênero, definindo o jogo de “esquivas” de golpes low e high (conhecido como crushes), um jogo de espaçamento mais parecido com o de artes marciais reais, com poucos combos, e um jogo de pressão mais arriscado, aonde todas as opções tem pelo menos uma fraqueza além de simplesmente defender (e se a única opção for defender, o golpe é unsafe, tornando muitos mix-ups extremamente arriscados). Além disso, Virtua Fighter também definiu um estilo de jogo meio que por turnos, aonde se o oponente defende seu golpe ele tem o direito ao turno dele. Logo em seguida surgiram diversos jogos seguindo esses conceitos (sendo que hoje em dia os mais famosos são Tekken, Soul Calibur e Dead or Alive), e a própria empresa que desenvolveu Virtua Fighter (AM2, da Sega) foi meio que uma SNK dos jogos 3D, e criou diversos jogos e franquias novas e diferentes usando esses conceitos, no qual vocês podem ver alguns videos abaixo sobre elas:

Fighting Vipers, um dos clássicos de jogos de luta da década de 90 que tinha um sistema de quebrar armadura.

Sua continuação.

Last Bronx, o “Soul Calibur”/”Samurai Shodown” da AM2.

Acredite ou não, Sonic The Fighters foi o primeiro jogo de luta 3D EVER a ter side step.

Mas assim como existiam os jogos 3D bons que seguiram o padrão implantado por Virtua Fighter, existia também o modelo que foi criado por Virtual On (que também é da AM2 e levou a inspiração na criação de Gundam Extreme Vs, o jogo de luta mais jogado do Japão… mas isso é história pra outra hora), e os jogos de luta 3D péssimos. Existe um motivo pelo qual apenas 4 jogos de luta 3D sobreviveram até hoje, e isso é porque esses outros jogos realmente eram bem ruins, cada um por seu motivo:

Mortal Kombat tentou unir elementos de VF e SF na sua era 3D, o que levou a um sistema extremamente falho de jogo.

Fate/Unlimited Codes tentou unir jogabilidade 2D com side step de 3D, o que levou a um jogo no mínimo… esquesito e broken.

Ao mesmo tempo, surgiram diversos jogos 2D bons, e todos seguiam a fórmula original de Street Fighter 2 ou Darkstalkers:

Street Fighter 3 3rd Strike, considerado o Street Fighter mais técnico.

Vampire Savior, a continuação suprema de DarkStalkers.

King of Fighters 2002, o clássico conhecido por muitos no Brasil.

Capcom VS. SNK 2, o jogo extremamente focado em footsies.

Melty Blood, um dos jogos anime mais técnicos.

Arcana Heart, a franquia dos mesmos criadores de Samurai Shodown 5 Special, que tentou revolucionar com seu sistema de Arcanas.

E vieram também alguns jogos meio… quebrados, mas que ainda sim foram bem aceitos por manter alguns dos conceitos dessas séries:

Marvel vs Capcom 1, que provavelmente é o jogo menos broken da série VS. da Capcom.

Guilty Gear, a série que deu nome para a Arc System Works.

Com isso dito, podemos perceber que existem diversos jogos tanto 2D quanto 3D que são bons e que são ruins num ponto de vista de Game Design (que segue conceitos de risco e recompensa também, que falo sobre nesse artigo). Agora, o grande problema dos jogos de luta atuais (que leva basicamente ao motivo principal pelo qual jogos 3D acabam não sendo bem aceitos) é que pra maioria dos jogadores de jogos de luta modernos, o bom virou o ruim, e o ruim virou o bom. Quer dizer, Alex Valle (um dos jogadores veteranos de Street Fighter) inclusive disse no Twitter (em outras palavras) que está preocupado com o futuro de Street Fighter V por ser um jogo focado demais em fundamentos e que por causa disso as pessoas desistiriam fácilmente dele… um jogo que teria problemas pra se manter vivo por ser bom demais:

E é aí que mora o grande problema da FGC atual. As pessoas não valorizam muito mais fundamentos e os elementos que foram implementados por SF2, DS e VF. Vivemos numa era aonde as pessoas querem gratificação instantânea, e que por causa disso não valorizam muito mais habilidades como bom espaçamento e bom uso de mix-ups arriscados. Elas valorizam combos extensos, mix-ups sem risco nenhum para o jogador na ofensiva (e com pouquíssimas opções de defesa para o jogador na defensiva) , e jogos ficam com o fator risco/recompensa muito distorcidos. E a pior parte é que isso está afetando as séries clássicas também, que estão literalmente piorando a si mesmas para atrair um público maior (e mais ignorante). Street Fighter 4 era um bom jogo no papel, mas que acabou virando jogo de farofa de jab seguida em okizeme infinito de vortex. Ultimate Marvel vs. Capcom 3 virou um jogo extremamente quebrado que se resume em controlar A TELA INTEIRA (e não apenas parte dela) e em acertar combos que tirem 100% da vida do oponente, para forçar um 50/50 no personagem seguinte que se acertado leva para outro combo 100%. The King of Fighters XIII ganhou um sistema de combos aonde contanto que você tenha barra, é possível fazer combos que tirem 70/80/90/100% da vida de um oponente, levando até mesmo a brincadeira de alguns jogadores da antiga de que “KoFXIII só é KoF no primeiro round”. Guilty Gear Xrd recebeu uma alteração no Free Roman Cancel que agora permite com que você cancele QUALQUER golpe whiffado de volta ao neutro, tornando até o golpe mais roubado safe (e afetando o buffer do jogador adversário, levando a uma punição injusta a ele as vezes).

Vortex do Akuma da série SF4.

Cadê o risco nisso???

King of Fighters sempre foi uma série com bastante combos, mas isso já é demais!

Ou “como dar o foda-se para risco/recompensa”.

E enquanto esses jogos fazem sucesso, jogos com Game Design decente que seguem a essência original de jogos de luta são ignorados e deixados de lado.

AquaPazza, dos criadores de Samurai Shodown 5 Special e Arcana Heart, é um dos jogos mais focados em Footsies para PlayStation 3.

Dengeki Bunko Fighting CLIMAX, dos criadores de Melty Blood, um dos jogos mais focados em manuseio de barras e fundamentos da geração PlayStation 3.

Até mesmo a empresa de AquaPazza decidiu dar o foda-se e fazer um jogo extremamente focado em combos danosos agora:

E não apenas isso, como o próprio Street Fighter V que está tentando voltar para as raízes está sendo alvo de diversas críticas, sendo considerado um jogo simples demais por ter poucos combos e hit confirms mais difíceis de se conseguir. Quer dizer, até mesmo um jogador que se tornou famoso por sua execução em Street Fighter 4 e Ultimate Marvel VS. Capcom 3 está criticando o jogo por isso:


Uma coisa que todos os jogos 3D atuais tem em comum é que todos eles manteram suas raízes. Virtua Fighter 5 Final Showdown ainda é o Virtua Fighter técnico e complexo de sempre, Soul Calibur V tem sua adição de barras e golpes com frame datas bizarras mas ainda é Soul Calibur, Tekken Tag Tournament 2 pode ter seguido um pouco a rota dos 2D mas está voltando para as origens em Tekken 7, e Dead or Alive 5 adicionou um novo jogo de stun, mas ainda sendo fiel as regras de opções para ambos os players e de risco e recompensa implementados por Virtua Fighter em 1993.

Em uma era aonde as pessoas não se importam em se educarem antes de formar uma opinião e são extremamente preocupadas com gratificação instantânea, esses jogos 3D simplesmente não tem chance. E daqui a pouco não vão ser apenas os jogos 3D, mas simplesmente QUALQUER JOGO DE LUTA BEM FEITO vai ter dificuldades em criar uma cena competitiva.

Vale ressaltar, entretanto, que nem sempre ruim é a definição de pouco competitivo. BlazBlue é um jogo que se seguir as regras de Game Design é um jogo muito mal feito, mas ao mesmo tempo, é um dos jogos de luta mais competitivos dessa geração? Como? Porque é um jogo que exige conhecimento demais dos personagens e combos exatamente por causa de suas “pressões infinitas”, o que torna praticamente impossível um jogador de nível inferior vencer um de nível superior.

Então, ironicamente, um Game Design ruim fez o jogo ser um dos jogos mais competitivos e que exige mais dedicação do jogador para ser bom nele. Mas é aquela coisa, decoreba vs aprender de fato a jogar, o jogo não valoriza necessariamente bons fundamentoas e boas habilidades de luta, mas sim a decoreba pura de pressões, combos e frame data.

A FGC está seguindo para uma era negra, uma era aonde habilidades e qualidade não tem muito valor, aonde pessoas valorizam demais gratificação instântanea e falso hype. E esse é o tal “grande problema” de jogos de luta 3D.

10 comentários sobre “Game Design: jogos de luta 2D vs. 3D

  1. Pena que tu não citou skullgirls, é o único game da série vs que não se vê infinitos sendo executados por causa do sistema anti-Infinito que apita quando se repete demais um golpe ou quando tu atinge a barra máxima de “burst”, se focando beeeem mais em resets para maximizar mais o dano.

    E Virtual Fighter 4(talvez tenha passado batido por mim e não vi) é considerado o game de luta mais balanceado já feito.

    Curtido por 1 pessoa

    1. É que eu não considerado Skullgirls um jogo da série vs pois ele não é da Capcom, pra mim Skullgirls é apenas Skullgirls huaeuheauae

      E sim, VF4 é considerado o jogo mais balanceado e mais técnico já feito, eu não citei ele pois estava citando a série VF num geral e queria falar do VF5FS que é o mais recente.

      Curtir

  2. Eu até concordo que os fundamentais tão cade vez menos relevantes nos jogos de luta atuais. Mas vc foi muito reducionista ao falar de Marvel 3, Street 4 e Guilty Gear Xrd. Pegou o melhor jogador da história do jogo que joga com uma zoner e disse que UMVC3 se resume a controlar a tela. Pegou uma versão antiga de SF4 em vez do Ultra, que foi uma atualização focada justamente em reduzir vortexes e focar mais em fundamentais. Vc começou o texto questionando se as pessoas que dizem preferir um estilo ao outro sabem jogar os dois, mas vc sabe jogar a fundo esses 3 jogos?

    Na minha opinião, os jogos de luta 3D não atraem o público pela falta de impcto visual, mesmo. Só normais não atraem jogadores casuais, eles querem ver coisas na tela, fireball, specials, combos etc. Um casual não vai achar hype algo que nem entende. E os casuais de agora é que viram os hardcores no futuro.

    Curtir

    1. Eu entendo esses 3 jogos. Embora eu tenha usado o vortex de exemplo no SF4 (que apenas foi suavizado no ultra, mas n removido completamente) o jogo ainda tem os outros problemas como a quantidade absurda de Option Selects. UMvC3 n tem balanceamento nenhum no quesito risco/recompensa, e a quantidade de controle de tela que é possível naquele jogo fez até o Marlin Pie falar que marvel parece mais um speedrun do que um jogo de luta. Guilty Gear Xrd pegou mecânicas que eram boas no XX e piorou elas, YRC não apenas é uma ideia ridicula por causa de todos os efeitos que lhe garante, como também é uma mecânica extremamente bugada que no passado permitiu fazer combos com OS pra serem burst safe em todos os hits, e que agora permite cancelar um super antes do super freeze para garantir os frames de invencibilidade por apenas 25% de tension.

      Diversos jogos de luta estão piorando ao invés de melhorarem, Tekken estava seguindo a mesma rota de se tornar ruim mas voltou atrás no Tekken 7, e o mesmo vale para Street Fighter, que está tentando remover todas as coisas ruins de SF4 no 5 e está sendo extremamente criticado por isso, o que mostra que o problema do gênero no momento é o senso comum de diversos fãs.

      Curtir

      1. O negócio de Marvel é que muito provavelmente a Capcom não tinha idéia de que o jogo se tornaria assim. E como eles não podem mais balancear por questão de contrato, acabou ficando por isso mesmo.

        Mas se vc for ver, a versão Ultra de SF4 é facilmente a mais bem aceita pelos jogadores, justamente a que melhor lidou com vortex, okizeme safe etc. Então não acho que o problema seja necessariamente a mentalidade dos jogadores.

        O SF5 tá sendo criticado não por ter tirado OS e outras coisas. Pelo contrário, essas coisas tão sendo elogiadas. Os problemas dele são outros, como falta de jogo mid range, buffer de botão, excesso de tools anti zoning etc.

        Curtir

      2. Mesmo se você considerar o começo da vida do Marvel 3 (que foi a época que treinei ele, de Fevereiro de 2011 até Janeiro de 2012) o jogo já tinha uns problemas de design. Não existe a propriedade de counter hits naquele jogo, X-factor foi uma mecânica que desde o primeiro dia de jogo ja tinha combos 100% e infinitos envolvendo ela, a entrada de um novo personagem após a morte de um serve como um okizeme extremamente forte pro jogo que pune o jogador que morreu mais do que deveria (pois como você ta no ar, vc n tem todas as opções defensivas que normalmente teria num okizeme normal).

        A versão Ultra pode até ser a mais bem aceita, mas ao mesmo tempo tem muito jogador de SF4 criticando o 5 não só pelos motivos q vc citou (que são válidos ao meu ver, tirando o buffer de botão pq isso é bom na era dos jogos online), mas por causa da remoção de combos grandes começando a partir de jabs, do focus attack e na diminuição do tamanho dos combos, que num ponto de vista de game design são coisas positivas para um jogo, e não negativas.

        Curtir

      3. Só uma pequena retificação, existe propriedade de counter hit em Marvel 3, sim. Os golpes dão mais hitstun. Exemplo fácil de ver é o dive kick de Wolverine. Em counter hit ele deixa o cara em stagger. Tem outros golpes seguindo o mesmo esquema.

        Curtido por 1 pessoa

  3. Tenho algumas coisas para dizer que não consigo concordar de jeito nenhum.

    Sobre a série darkstalkers, que você disse que é uma série muito baseada em pressões em mixups.
    O Vampire Hunter (darkstalkers 2) e o Vampire Savior (darkstalkers3) são jogos bem distintos : Enquanto o 3 é mais focado em mixups e pressões como você disse, o 2 na verdade está muito mais perto de SF2 do que o seu sucessor da série.
    O Vampire Hunter é um jogo de footsies, anti-aéreos pouca barra e pouco bullshit. Tanto que a diferença dele com o Savior faz dividir a comunidade japonesa da série em dois : Os que gostam de Vampire Hunter e os que gostam de Vampire Savior.

    Sobre o SF4, perdoe ele porque chegou a superar um aspecto bem frustrante para os mais experientes : Nerfou a maioria dos vortex…. Então agora já dá para dizer que o jogo está bom, eu acho.

    Discordo que AM2 é a SNK dos 3D. Acredito que enquanto a AM2 está para a capcom por causa da mudança constante no time de desenvolvedores, e a Namco está para a SNK graças ao seu grupo de desenvolvedores competente.

    enfim, não continuarei porque daqui em diante já é “opinião minha diferente da sua”.

    Curtir

    1. Ei, eu não disse que a série Darkstalkers em si é uma série muito baseada em pressões e mix-ups, mas sim que ela definiu o gênero Anime. Eu não citei em específico nenhum jogo, apenas botei a data de lançamento do primeiro Darkstalkers para efeitos de comparação entre o lançamento de cada uma das franquias que definiram os gêneros. A forma como escrevi não está errada lol (embora admito que esteja confusa).

      Sobre o SF4, não perdoo pq ainda tem Option Selects bem sujos naquele jogo e que removem bastante a necessidade de ter bons fundamentos dele.

      E quanto a AM2, eu quis dizer num sentido de ser uma empresa que não se focava em apenas uma ou duas franquias e que criou vários jogos com propostas distintas mas que se inspiravam ainda na jogabilidade do VF, que foi mais ou menos o que a SNK fez nos anos 90.

      Curtir

Deixe um comentário